O DIA
Emoções entram em cena no centenário do palco maior
Às vésperas de completar 100 anos, Teatro Municipal, ainda em obras, coleciona paixões e curiosidades. Todas serão contadas na festa
POR ÉLCIO BRAGA, RIO DE JANEIRO
Rio - Paixão, tristeza, alegria, raiva, inveja, ódio, deboche, indiferença, saudade, vergonha, piedade, rancor, mágoa... As emoções ganharam há 100 anos o seu melhor palco, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Dia 14, a partir das 10h, quando abre as portas para sediar mostra fotográfica sobre os momentos marcantes até o centenário, mais um sentimento vai tomar contar desse monumental prédio carioca: o orgulho.
Foto Uanderson Fernandes/Agência O DIA
É difícil para o preparador de técnica vocal João D’Angelo, 89 anos, explicar o que sente cada vez que pisa o Municipal. É um hábito que começou no fim da década de 20, quando se oferecia para a figuração nos espetáculos. Levou 20 anos para conseguir ingressar como concursado e fazer história. “O Municipal é meu amor, minha vida”, resume ele, que trabalhou por 50 anos até se aposentar em 2002. Mesmo assim, todo dia vai ao teatro preparar novos talentos do canto. De graça. Por amor.
A comemoração pelos 100 anos vai encarar o Teatro Municipal em obras. A previsão era que a reforma — avaliada em R$ 70 milhões — terminasse antes do centenário. As dificuldades de reparo, sobretudo na sala de espetáculos, atrasou a entrega para novembro. Mas a poeira não vai impedir o brilho da festa. O visitante terá acesso à parte do teatro que abrigará a exposição digital.
Do lado de fora, na Cinelândia, a certeza de mais emoções. Coro, orquestra e balé do teatro se apresentarão com a soprano coreana Sumi Jo e o tenor argentino Marcelo Álvarez. “Acho que vai ser muito emocionante. Será um 14 de julho lindo”, promete Carla Camurati, presidente da Fundação Teatro Municipal, ligada à Secretaria Estadual de Cultura.
CONCURSO POLÊMICO E FUSÃO DE PROJETOS
Antes mesmo da construção, o Municipal já provocava fortes emoções. O prédio começou a se desenhar com campanha lançada em 1894 por Arthur Azevedo. O autor teatral defendia a criação do teatro para sediar uma companhia municipal. A luta resultou em Lei Municipal, que determinava a obra. Em 1903, o prefeito Pereira Passos lançou edital de concurso para projetos. Houve muita polêmica porque um dos finalistas, Francisco de Oliveira Passos, era filho dele. O outro projeto era assinado por Albert Guilbert. O impasse acabou com a fusão das duas propostas.
Ao longo de cem anos, o Teatro Municipal abrigou grandes espetáculos, shows populares, óperas e concertos. As emoções ganharam um palco digno na cidade. Com grandes histórias. Muitas delas reais. Uma das mais cativantes é a de uma aluna de 11 anos de academia particular de dança que se apresentou com duas amigas no Teatro. Na plateia, pais e professores boquiabertos assistiram a cena inusitada: a menina corre para saltar sobre uma colega, que se levanta na hora errada. “Ficamos enganchadas. Todo mundo caiu na gargalhada”, relembra a protagonista, que não desanimou. Apesar do fiasco, viajou para a Europa, estudou, aprimorou-se e ganhou fama. Há 28 anos, Ana Botafogo, 52 anos, é a principal bailarina do Municipal.
“Foi a primeira vez que pisei naquele palco. Nunca poderia imaginar que um dia me tornaria a primeira bailarina daquele teatro”, conta Ana, sem esquecer outro fato marcante em sua carreira: os dois dias de testes com uma banca para ganhar o primeiro posto de bailarina, em 1981. “Lembro o dia que eu passei na prova, a ansiedade. Meu primeiro espetáculo ocorreu três meses depois, em abril de 1981, com ‘Coppelia’. Era a conquista de um sonho: estar à frente de uma grande companhia. Já sou uma partezinha da História do Municipal”, orgulha-se. É só emoção.
Visitas guiadas pelos bastidores e pela obra
Os segredos das coxias, os mistérios e os bastidores viraram atração das reformas do Municipal e agora podem ser vistos pelos cariocas. Durante três dias da semana, visitas guiadas de 1h30 (R$ 10) levam o público para conhecer. “É diferente ver os bastidores e depois ver um espetáculo”, conta Octávio Rangel, 32, que visitava o Municipal pela primeira vez. Na sexta-feira, uma relíquia do teatro, um enorme painel do italiano Eliseu Visconti, de valor incalculável, foi encontrado. A obra de 1909 estava esquecida atrás de uma parede desde 1935 e foi achada por um técnico de eletricidade. E há muito para ver. “Há inspiração no Palácio de Artaxerxes, antigo Rei da Pérsia”, diz o historiador Edgard de Brito Chaves, que escreveu os livros ‘Memórias e Glórias de um Teatro’ e ‘Diário do Municipal’. As visitas devem ser agendadas pelos telefones 2332-9191 e 2332-9005.
A PROGRAMAÇÃO GRATUITA DO DIA 14
IMAGENS HISTÓRICAS
10h — Exposição conta a História do Municipal, com fotos digitalizadas e imagens de artistas da música, dança e artes cênicas.
COPPELIA
14h — No palco montado na Praça Floriano (Cinelândia), apresentação do Corpo de Baile, com trechos de ‘Coppelia’ e o “O Quebra Nozes’.
CONCERTO
20h — Grande concerto com a soprano Sumi Jo e o tenor Marcelo Alvarez. Às 21h, Pas-de-deux romântico de Ana Botafogo e Francisco Timbó.
ALMANAQUE
NUDEZ
As peças de Nelson Rodrigues também foram encenadas no teatro nos anos 50 e 60. Tornaram-se motivo para batalhas campais por causa das polêmicas cenas de nudez.
XIXI
Certa vez um artista urinou logo atrás da cortina, mas foi traído pelo palco, que é ligeiramente inclinado para frente: rastro chegou até o fosso da orquestra.
REPETECO
Em 16 de setembro de 1916, o maestro Giuseppe Baroni iniciou a ópera ‘Fausto’ 15 minutos antes. O público que chegou depois reclamou. “Os murmúrios, disfarçados inicialmente, transformaram-se em vaias”, diz o historiador Edgard de Brito Chaves. O chefe de Polícia interveio, e o espetáculo recomeçou.
Técnicos ingleses se impressionaram com os sete elevadores, da época da inauguração, usados para retirar cenários durante as apresentações. O conjunto nunca falhou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário