O GLOBO
Homem chega a fugir das câmeras do Fantástico.
Anúncios em jornais, ofertas na internet e, de repente, você vira um doutor. O Fantástico investiga o mercado de diplomas falsos e descobre que os golpistas estão agindo dentro de escolas e criando até históricos escolares que têm valor legal. A reportagem é do “engenheiro” Giovani Grizotti.Um homem que sai em disparada diante das câmeras do Fantástico é um dos muitos vendedores de diplomas e certificados de conclusão de curso espalhados pelo Brasil. São diplomas falsos. O golpista foi flagrado pelo repórter Giovani Grizotti.
O mercado dos diplomas e certificados falsos está em alta no país. Na internet, há ofertas de documentos para qualquer nível de escolaridade. Anúncios publicados em jornais também oferecem diplomas que ficam só no papel.
Um anúncio promete um "certificado" de supletivo “em oito dias, sem aulas e sem provas”. O vendedor garante “sigilo absoluto". Outro dá a entender que o interessado pode concluir um curso "superior" em "diversas áreas, em poucos dias".
O golpe é aplicado em vários estados por diferentes quadrilhas. Algumas vezes, as encomendas são feitas por telefone. No Rio Grande do Sul, um golpista pede R$ 2 mil para entregar vários documentos falsos. Acompanhe o diálogo:
Vendedor: Tá em torno de R$ 2 mil. Não baixa muito disso, também não sobe muito.
Repórter: E o diploma eu recebo em quanto tempo?
Vendedor: A documentação completa, o diploma, o histórico, isso aí é em torno mais ou menos de 15 dias, no máximo.
Na Bahia, a golpista afirma que o preço varia conforme o curso. Medicina e Direito custam mais.
Vendedora: Esses diplomas, assim, tipo Administração, Engenharia, vai pra R$ 1,6 mil. Medicina e direito são os dois mais caros. "Vai" pra R$ 2,2 mil.
Também é possível comprar certificados no meio da rua. A equipe do Fantástico foi até a Praça da Sé, no Centro de São Paulo, para conversar com um vendedor de documentos falsos. Ele oferece carimbo do Ministério da Educação e boas notas. Tudo falso.
Vendedor: Secretaria, carimbo do MEC, tudo direitinho.
Repórter: E a nota?
Vendedor: Nota, vem tudo.
Repórter: Nota alta?
Vendedor: nota alta, tudo.
O vendedor aceita pechinchar. O preço inicial é de R$ 300.
Repórter: Não dá para fazer por menos?
Vendedor: R$ 250.
Repórter: É que daí me aperta um pouco.
Vendedor: Quanto você pode me pagar?
Repórter: R$ 200 daria.
Vendedor: "Tá" bom, então.
O homem que fugiu desesperadamente no início da reportagem cobra R$ 2,3 mil por um diploma de curso superior. O repórter do Fantástico se encontrou com ele em Juiz de Fora (MG). Sem saber que estava sendo gravado, ele garantiu documentação completa.
"Você vai ter notas, você vai ter frequência, vai ter disciplina", afirmou.
O homem diz que lucra cerca de R$ 4 mil por mês com o esquema.
"No final das contas, para mim sobram de R$ 300 a R$ 400 de cada. Vendemos entre 10 e 15 por mês. Então, bem ou mal, dá uns R$ 4 mil. Dá para pagar o aluguel", comentou o homem.
Para entender o esquema, o Fantástico encomendou um diploma de engenharia civil. O repórter precisou de apenas três dias para se formar engenheiro – um curso que leva, no mínimo, cinco anos.
Vendedor: Tudo joia? Tudo bem?
Repórter: Deixa eu dar uma olhada. Esse aqui, no caso, é o certificado de conclusão?
Vendedor: É o certificado de conclusão.
Repórter: E será que não vai dar problema?
Vendedor: Não, não vai. Nunca deu, não vai dar agora. Mas pode ficar tranquilo, porque é quente.
Logo depois da entrega, o repórter do Fantástico se identifica. O vendedor esqueceu o dinheiro e saiu correndo. O "certificado de conclusão" vendido pelo golpista é da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O repórter Giovani Antonio Grizotti virou "bacharel em Engenharia Civil" no dia 15 de junho de 2009.
O certificado foi levado até a UFRJ, uma das universidades mais importantes do Brasil. O documento foi examinado por diretores e pela pró-reitora de graduação, Belkis Valdman.
"O formato, tamanho, apresentação dos dados nem são semelhantes aos nossos documentos. Não são mesmo. Nem o histórico escolar. É totalmente diferente, completamente, tanto o formato, o conteúdo, quanto o papel", avalia a pró-reitora de graduação da UFRJ, Belkis Valdmam.
O esquema que começa na internet e nos classificados de jornais pode terminar dentro de um colégio. O Ceitec é uma escola técnica na Zona Norte do Rio de Janeiro. O repórter do Fantástico negociou a compra de um certificado de supletivo de Ensino Médio.
Um homem, conhecido como professor Inácio, promete montar um histórico escolar falso. O professor usa termos antigos para designar Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Vendedor: A gente tem que montar tudo pra você, como se você estivesse estudado aqui o primeiro ano primário. Faz de conta que você "tá" virgem, entrou na escola hoje, "tá" legal?
Repórter: É como se eu tivesse estudado aqui quanto tempo?
Vendedor: Do primeiro ano ao segundo grau, onze anos.
O pagamento, de R$ 600, foi parcelado em duas vezes: R$ 400 na encomenda e R$ 200 na entrega do documento.
Repórter: O que o senhor me consegue amanhã, então?
Vendedor: Histórico escolar e declaração de conclusão de curso.
No dia seguinte, o repórter voltou à escola Ceitec.
Vendedor: Aí, Giovani. Vê se "tá" certinho, filiação...
Repórter: Aqui consta como se eu estivesse estudado aqui desde quando?
Vendedor: Desde 2004.
O certificado tem o nome de outro colégio: o ATG.
Repórter: Se me perguntarem, o que eu digo?
Vendedor: Vamos lá. Empresta aqui um papel, que tu "vai" decorar um script.
Repórter: "Tá".
Vendedor: Então, tu "estudou" no ATG.
Segundo o histórico do colégio ATG, nosso repórter é técnico em contabilidade. O documento "é cópia fiel do que está arquivado neste estabelecimento de ensino".
Repórter: Isso aqui já está lá?
Vendedor: Já.
Repórter: Se eles ligarem lá para o colégio perguntando, está garantido?
Vendedor: Garantido.
Na secretaria do colégio ATG, vem a confirmação do esquema. Uma funcionária diz que nosso repórter consta como aluno da instituição.
Repórter: O histórico mostra que essa pessoa, o Giovani Grizotti, estudou quanto tempo aqui?
Funcionária: Ele fez os três anos. Ele fez todo o Ensino Médio aqui, entendeu?
Repórter: E foi aprovado?
Funcionária: Foi.
O professor Inácio que, na escola Ceitec, vendeu o certificado do colégio ATG por R$ 600 nega tudo. “Aqui não vende diploma falso. Nenhum tipo de diploma é vendido aqui”, afirmou.
"Isso coloca em risco a sociedade. É um risco social enorme, que tem de ser combatido de maneira decisiva pelas autoridades competentes, no caso, a polícia", alerta o ministro da Educação, Fernando Haddad.
Falsificação de documentos é crime, punido com pena de até seis anos de prisão. Quem compra documento falso também pode ser processado. Procurada pelo Fantástico, a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro afirma em nota que a escola Ceitec e o colégio ATG vão ser investigados.
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