terça-feira, 9 de junho de 2009

Chefão do pó na terra bancou até passeio no ar




O DIA

Bandido que controla tráfico na Zona Sul mandou criar um heliponto dentro da favela

POR LESLIE LEITÃO, RIO DE JANEIRO

Rio - Há quase uma década, os passos de Danúbia de Souza Rangel, 25 anos, são monitorados pela polícia carioca. Depois de namorar um ‘batalhão’ de criminosos, ela chegou ao ápice em 2007, assumindo o posto de ‘primeira-dama’ da Rocinha. Ao lado de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, veio o luxo, com muito ouro, roupas caras e festas de arromba. Tudo está exibido no Orkut. Lá, ela mostra inclusive o mimo mais audacioso: um passeio de helicóptero por alguns dos principais cartões-postais da Cidade Maravilhosa, como o Cristo Redentor e o Maracanã. Nas fotos, aparece a mão de uma pessoa com um telefone celular — a polícia investiga se seria do próprio chefe do tráfico.
O passeio ocorreu em 21 de dezembro, durante a campanha para recolher alimentos na favela no Natal. Alugada de uma empresa de táxi aéreo da Barra da Tijuca, a aeronave pousou na garagem de ônibus da Curva do S. Em uma foto ao lado do helicóptero, Danúbia exibe seu cordão de ouro com um enorme pingente com a letra N, inicial de Nem.

>>> Confira galeria de fotos com ostentação de namorada de bandido

Toda essa ostentação a mantém sob o foco da polícia. Como namorada de Nem, ou Mestre, novo apelido do bandido, Danúbia não tem anotações criminais, mas é citada em investigações da Polícia Federal e de pelo menos cinco delegacias da Polícia Civil. Em uma operação realizada na Rocinha, em 24 de julho de 2008, ela foi detida. Prestou depoimento no inquérito 044/2008, da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), em que admitiu o relacionamento com o bandido, e acabou liberada. Em 2 de setembro, em depoimento em outro inquérito (2019/08), desta vez aberto pela 15ª DP (Gávea), ela afirmou que já não estaria mais com Nem.

Mas os agentes sabem que ela mentiu. No próprio Orkut, Danúbia não esconde isso. Tanto que passou a se intitular a ‘Xerifa’ da Rocinha ou ‘Dona do Bairro’, como se apresenta em uma das páginas, onde há quase 300 fotos. A apresentação de outra página traz recado às concorrentes: “Vai na treta do Nem que eu te quebro lá meu bem!! Mas se liga ‘ae’ novinha, por ‘favo’ ‘ver’ se não chora, sai correndo, é o bonde da bate bola!”, postou.

As ameaças não são mera bravata. Ano passado, em episódio narrado por um policial que investiga a Rocinha, ela teria quebrado uma garrafa de uísque na cabeça de Bela, viúva de Mocotó, ex-chefão da Vila dos Pinheiros, que estaria tendo um caso com Nem. A cena foi presenciada por dezenas de pessoas que estavam ao redor durante um baile funk na comunidade.

Outra ex-mulher de Nem, Raquel, também já trocou tapas com a atual. Na volta de um show de um cantor, na quadra da Acadêmicos da Rocinha, as duas se estranharam no alto da passarela que cruza a Autoestrada Lagoa-Barra. E brigaram ali mesmo.

A musa da Rocinha, como é tratada diversas vezes nos recados de fotos no Orkut, na verdade tornou-se uma espécie de ícone feminino na favela. Uma inversão de valores que se deve muito aos passeios de helicóptero, roupas de marca e joias que ostenta. Além disso, Danúbia também tem acesso irrestrito na comunidade. Tanto que num show recente de uma cantora dentro do morro, ela assistiu à apresentação do palco e depois tirou fotos com a artista dentro do camarim. O mesmo aconteceu no show de uma estrela norte-americana do rap.

Ainda no site de relacionamentos, em suas comunidades, Danúbia revela suas preferências: ‘Eu amo ouro’; ‘Whisky, só se for original’. De fato, ouro e uísque não faltam nas fotos. Em uma das imagens, a moça posa na frente de um bar com 23 garrafas de bebidas importadas diferentes. Entre elas há uma do uísque Black Label, de 4,5 litros, só vendida por encomenda, que custa cerca de US$ 419, ou cerca de R$ 800.

Um relacionamento com agressões e até tiro

Logo no início da relação com Nem, no fim de 2007, tomado pelo ciúme, ele espancou um rapaz que comia pizza com sua amada num restaurante da favela. Rodrigo, um morador da Rua 2, levou um tiro na canela antes de ser levado até a parte alta do morro. Em meio à sessão de tortura, outro homem, de nome Célio, responsável pelo ‘gatonet’ de uma parte da comunidade, tomou as dores do jovem amigo. Levou uma surra maior, ficando meses se alimentando de líquido por ter a arcada dentária destroçada.

A própria Danúbia já experimentou a fúria de Nem. Certa vez, ele ameaçou-a com um tiro, que acabou acertando o dedo de uma amiga da namorada.

Mas, entre brigas e confusões, o traficante jamais deixou de presenteá-la, desde joias a passeios de barco, passando por roupas de lojas de grife a cirurgias plásticas. Há cerca de um mês, por exemplo, Danúbia teria trocado a prótese de silicone nos seios.

Luxo garantido pelo poder das armas

Todo o luxo proporcionado por Nem a Danúbia se deve aos rendimentos da boca de fumo mais rentável da cidade. Semana passada, quando a 15ª DP estourou a quarta refinaria de cocaína dentro da Rocinha em menos de dois anos, agentes da Delegacia Fazendária encontraram até uma academia na casa do bandido. Nela, uma foto do casal foi apreendida.

Já a Delegacia de de Combate às Drogas (Dcod) achou, além de 20 quilos de cocaína que poderiam render mais de R$ 1 milhão, cadernos de contabilidade que mostram lucros gigantescos. Somente com a cocaína, que tem preços de R$ 5, R$ 10 e R$ 15, os valores arrecadados chegam a R$ 643.380, segundo as anotações.

É um dinheiro que financia também a compra de armas. A polícia acredita que existam mais de 100 fuzis. Um arsenal responsável por guerras, como em abril, na invasão à Ladeira dos Tabajaras, que espalhou o terror em cinco bairros da Zona Sul.



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